«The happiest couples never have the same character. They have the best understanding of their differences.»
O amor existe, acreditem.
Lembro-me, nitidamente, de ser pequena o suficiente para não conseguir chegar ao interruptor da luz e de ouvir os meus pais a discutir. Recordo-me, também, de certos episódios em que acordava de noite, descia as escadas com o intuito de apagar a sede, e os ouvia a discutir na cozinha. Perdia logo a vontade de beber água e voltava a correr para o meu quarto, às escuras, e ficava a rezar para que nada de mal lhes acontecesse, para que tudo ficasse bem no final.
E é deles que vos vou falar hoje. Não por me sentir na obrigação, mas sim por ter chegado à conclusão do orgulho que eles são para mim. Do perfeito arquétipo de amor que tenho aqui em casa. Não são - nem por sombras! - o único casal que me põe a sorrir quando olho para eles, no entanto são o exemplo mais próximo que tenho e pelo qual me posso guiar - 24 por 24 horas. E, tendo eu a idade que tenho, creio que posso considerar um grande feito chegar a esta altura da vida deles e poder orgulhar-me daquilo que se tornaram. Conversar com um grupo de amigos que se queixam das divergências dos pais e tirar a ilação da felicidade conjunta que os meus conseguiram construir ao longo destes 23 anos de casamento.
Homenagem. É essa a palavra que me faltava! É mesmo isso: uma homenagem aos meus progenitores que parece que se amam mais cada dia que passa. Porque, hoje em dia, o que eu tenho em casa é muito difícil de encontrar. Estou rodeada de histórias próximas de famílias distorcidas e histórias de casais sem qualquer pinga de amor para dar, e dói-me. Dói-me profundamente. Dói-me, porque são pais de amigos meus, quase irmãos para mim e odeio aperceber-me que alguns já perderam a fé no verdadeiro amor.
Porque, caramba!, ele existe. A sério que sim.
Os meus pais nunca foram o casal perfeito. Aquele casal que passa na rua de braço dado, com um sorriso de orelha a orelha, e que nunca saem de casa separados. Não. Nada disso.
Sempre tiveram vidas e famílias diferentes e ambas problemáticas. Ambos sofreram imenso e se não fosse a persistência, paciência e esperança da minha mãe ou o meu pai já não estava vivo ou eles já estavam divorciados. A realidade é mesmo essa, e eu tenho consciência plena disso desde que tenho 11 anos de idade.
Infelizmente, o número de pessoas que queria acabar com este casamento é inacreditavelmente grande. - sendo a maior parte familiares - no entanto, depois de ter sofrido que nem uma escrava, a minha mãe conseguiu que o meu pai abrisse os olhos. Conseguiu pô-lo a ver para lá do que estava à vista (mesmo tendo ele noção do que se passava, mas fingindo não acreditar) e agora - e apesar das diferenças de ambos - são a dupla mais poderosa que eu conheço.
Quando o meu pai, medicado e esgotado, precisa de clarear as ideias e passear, é a minha mãe a primeira a pegar no carro e a sair com ele. Quando ela precisa de ajuda, é ele o primeiro a perguntar do que é que ela necessita. Quando saímos à noite, nunca os vês separados. É escusado. Ele dança com ela. Ela dança com ele. Formam um só dignos de se ver. E eu sorrio. Perante este cenário eu sorrio e arrepio-me. Arrepio-me até à ponta dos cabelos, porque sim, sei que é orgulho.
Ele é uma pessoa complicada e ela também não fica atrás. Ele tem as suas imperfeições, porém ela tenta completá-las. Paciência. É tudo uma questão de paciência e de saber lidar com as pessoas. Nada mais. E depois de termos encontrado e aperfeiçoado isto, é ver a cumplicidade que transborda dos olhos de ambos quando o olhar deles se cruza. É ver o sorriso da minha mãe quando sabe exactamente no que é que o meu pai está a pensar. E se em anos transactos a palavra divórcio já veio muitas vezes ao de cima, agora tenho cada vez mais a certeza de que eles vão ver a reforma juntos, braço dado com braço dado, com o brilho nos olhos sempre que olham um para o outro. Vão envelhecer juntos e eu quero estar cá para ver. Não o perderia por nada.
E é assim que termino a minha homenagem, sentindo que ainda há tanto para dizer sobre eles, mas não há palavras suficientes. Espero um dia encontrar o que eles têm e poder aperfeiçoar o amor virgem, tal como eles fizeram. Porque a felicidade não cai do céu; é, pois, trabalhada e apurada.
Espero, um dia, ter - como eles - o privilégio de poder envelhecer juntamente com a minha alma gémea.
O amor existe, acreditem.